Reestruturação curricular
A Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, estabelece o quadro de referência da reforma do sistema educativo, decorrendo a definição
dos planos curriculares dos ensinos básico e secundário, prevista no artigo 59.° da mesma lei, dos objectivos educacionais
nela consignados. Tomando em consideração o conjunto das propostas apresentadas pela Comissão de Reforma do Sistema Educativo
e o contributo resultante do debate nacional que suscitaram, bem como o parecer que sobre elas produziu o Conselho Nacional
de Educação, pelo presente diploma, o Governo procede à definição dos planos curriculares dos ensinos básico e secundário. A
estrutura curricular agora aprovada procura responder ao complexo de exigências que, tanto no plano nacional como no plano
internacional, se colocam ao nosso sistema educativo: a construção de um projecto de sociedade que, preservando a identidade
nacional, assuma o desafio da modernização resultante da integração de Portugal na Comunidade Europeia. Neste sentido se
decidem as opções que fundamentam a organização curricular dos ensinos básico e secundário: valoriza-se o ensino da língua
portuguesa, como matriz de identidade e como suporte de aquisições múltiplas; é criada uma área de formação pessoal e social;
procura-se imprimir ao currículo uma perspectiva interdisciplinar; define-se o conceito de avaliação numa óptica formativa
e favorecedora da confiança própria e reforçam-se as estruturas de apoio educativo com a intenção de equilibrar a diversidade
de ritmos e capacidades; incentiva-se a iniciativa local mediante a disponibilização de margens de autonomia curricular na
elaboração de projectos multidisciplinares e no estabelecimento de parcerias escola-instituições comunitárias. Finalmente,
organizam-se as várias componentes curriculares nas suas dimensões humanística, artística, científica, tecnológica, física
e desportiva, visando a formação integral do educando e a sua capacitação tanto para a vida activa quanto para a prossecução
dos estudos.
Assim:
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela alínea e) do artigo 59.° da Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro,
e nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Princípios gerais
Artigo 1.° Âmbito
O presente diploma estabelece os princípios gerais que ordenam a reestruturação curricular prevista na alínea e)
do n.° 1 do artigo 59.° da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Artigo 2.° Conceitos gerais
1 – Para efeitos de enquadramento temporal do funcionamento dos ensinos básico e secundário, o conceito de
ano escolar corresponde ao período compreendido entre os dias 1 de Setembro de cada ano e 31 de Agosto do ano seguinte, enquanto
que o conceito de ano lectivo corresponde a um mínimo de 180 dias efectivos de actividades escolares.
2 – O ano lectivo organiza-se na base de um horário semanal distribuído equilibradamente pelos períodos da
manhã e da tarde.
3 – O Ministro da Educação estabelecerá em despacho o programa de cumprimento progressivo do disposto nos
números anteriores.
Artigo 3.° Educação pré-escolar
1 – Deverá ser garantida a possibilidade a todos os pais que o requererem de inscrever os seus filhos num
programa de educação pré-escolar, em instituições públicas ou privadas, pelo menos no ano anterior ao 1.° ano de escolaridade,
com vista a promover o sucesso na educação escolar.
2 – Por iniciativa do Ministro da Educação será publicado em diploma apropriado um plano de expansão da oferta
da educação pré-escolar, estabelecendo os prazos do cumprimento do estabelecido no número anterior, as condições da sua concretização,
o âmbito de responsabilidade dos vários intervenientes, bem como os normativos gerais de carácter técnico-pedagógico.
CAPÍTULO II
Organização curricular
Artigo 4.° Planos curriculares
1 – São aprovados os planos curriculares dos 1.°, 2.° e 3.° ciclos do ensino básico, que constam, respectivamente,
dos mapas n.os 1, 2 e 3 anexos ao presente diploma.
2 – É aprovado o plano curricular do ensino secundário, que consta dos mapas n.os 4, 5, 6 e 7 anexos
ao presente diploma.
Artigo 5.° Línguas estrangeiras
1 – No 1.° ciclo do ensino básico podem as escolas, de acordo com os recursos disponíveis, proporcionar a
iniciação de uma língua estrangeira, na sua realização oral e num contexto lúdico.
2 – No 2.° ciclo do ensino básico inicia-se a aprendizagem de uma língua estrangeira curricular.
3 – No 3.° ciclo do ensino básico, todas as escolas proporcionarão aos alunos a oportunidade da iniciação
a uma segunda língua estrangeira curricular.
4 – No ensino secundário, é obrigatória a inscrição numa segunda língua estrangeira curricular quando, no
ensino básico, tiver sido estudada apenas uma única língua estrangeira curricular.
Artigo 6.° Área-Escola
1 – Os planos curriculares dos ensinos básico e secundário compreendem uma área curricular não disciplinar
com a duração anual de 95 a 110 horas, competindo à escola ou à área escolar decidir a respectiva distribuição, conteúdo e
coordenação.
2 – São objectivos da área curricular não disciplinar a concretização dos saberes através de actividades e
projectos multidisciplinares, a articulação entre a escola e o meio e a formação pessoal e social dos alunos.
3 – Numa primeira fase, a área referida no número anterior será organizada de acordo com a redução correspondente
de horas lectivas das disciplinas envolvidas em cada projecto.
4 – Numa segunda fase e na medida do possível, a área curricular não disciplinar passará a dispor de créditos
horários próprios, para além das horas lectivas das várias disciplinas.
5 – O Ministro da Educação estabelecerá em despacho o plano de concretização desta área, o qual incluirá a
determinação de responsabilidades e iniciativa, bem como sugestões de metodologias e actividades.
Artigo 7.° Formação pessoal e social
1 – Todas as componentes curriculares dos ensinos básico e secundário devem contribuir de forma sistemática
para a formação pessoal e social dos educandos, favorecendo, de acordo com as várias fases de desenvolvimento, a aquisição
do espírito crítico e a interiorização de valores espirituais, estáticos, morais e cívicos.
2 – Sem prejuízo do disposto no n.° 4 do presente artigo, é criada, para todos os alunos dos ensinos básico
e secundário, a disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social, onde se concretizam de modo especial as matérias enunciadas
no n.° 2 do artigo 47.° da Lei de Bases do Sistema Educativo.
3 – No 3.° ciclo do ensino básico, a Área-Escola inclui obrigatoriamente um programa de educação cívica para
a participação nas instituições democráticas, cujos conteúdos, depois de submetidos ao parecer do Conselho Nacional de Educação,
serão aprovados por despacho do Ministro da Educação, devendo a avaliação do aluno nesta matéria ser considerada para a atribuição
do diploma da escolaridade básica.
4 – Em alternativa à disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social, os alunos poderão optar pela disciplina
de Educação Moral e Religiosa Católica ou de outras confissões.
5 – É obrigatória a frequência de uma das disciplinas referidas no número anterior.
6 – O Ministro da Educação estabelecerá, em despacho, o conjunto de conteúdos programáticos referentes à disciplina
de Desenvolvimento Pessoal e Social, bem como o modelo de formação dos docentes encarregados da sua leccionação.
7 – A disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social será proporcionada pelas escolas à medida que o sistema
dispuser de docentes para tal habilitados.
Artigo 8.° Actividades de complemento curricular
1 – Para além das actividades curriculares, os estabelecimentos de ensino organizarão actividades de complemento
curricular, de carácter facultativo e natureza eminentemente lúdica e cultural, visando a utilização criativa e formativa
dos tempos livres dos educandos.
2 – Entre as actividades mencionadas no número anterior integra-se o desporto escolar, o qual deve ser tornado
gradualmente acessível a todos os alunos dos vários ciclos de ensino.
Artigo 9.° Formações transdisciplinares
1 – Constituem formações transdisciplinares a formação pessoal e social, nos termos constantes do artigo 7.°,
a valorização da dimensão humana do trabalho e o domínio da língua materna.
2 – A valorização da dimensão humana do trabalho constitui um objectivo dos ensinos básico e secundário que
deve ser progressivamente concretizado através de todas as componentes curriculares, de acordo com o desenvolvimento e o nível
etário dos alunos, levando-os à identificação dos seus interesses e aptidões e ao desenvolvimento de competências gerais de
empregabilidade.
3 – Todas as componentes curriculares dos ensinos básico e secundário intervêm no ensino-aprendizagem da língua
materna, devendo contribuir para o desenvolvimento das capacidades do aluno ao nível da compreensão e produção de enunciados
orais e escritos em português.
Artigo 10.° Avaliação
1 – O regime de avaliação dos alunos é organizado de forma a garantir o controlo da qualidade do ensino.
2 – O regime de avaliação dos alunos deve estimular o sucesso educativo de todos os alunos, favorecer a confiança
própria e contemplar os vários ritmos de desenvolvimento e progressão.
3 – O sistema de avaliação dos ensinos básico e secundário será regulamentado em despacho do Ministro da Educação.
CAPÍTULO III
Apoios e recursos educativos
Artigo 11.° Apoio psicológico e orientação escolar e profissional
O acompanhamento do aluno, individual ou em grupo, ao longo do processo educativo, bem como o apoio no processo de escolha
do seu projecto de vida, é garantido pelos serviços de psicologia e orientação escolar.
Artigo 12.° Recursos educativos
1 – Para a realização da reforma curricular, as escolas devem dispor dos recursos educativos necessários,
nomeadamente materiais de apoio escrito e audiovisual, bibliotecas, laboratórios, oficinas e meios informáticos, bem como
de espaços e materiais para as actividades lúdicas, incluindo o desporto escolar.
2 – Os recursos educativos mencionados no número anterior devem estar distribuídos de tal forma que todos
os alunos a eles tenham acesso periódico.
3 – Os recursos educativos concentram-se em centros de recursos, de forma a racionalizar a sua utilização
pelas escolas.
4 – O Ministro da Educação promoverá a publicação dos normativos que definam o processo de distribuição dos
recursos educativos, os padrões mínimos de qualidade e quantidade, os prazos e os programas de aquisição.
CAPÍTULO IV
Organização dos grupos de docência
Artigo 13.° Reestruturação dos grupos de docência
1 – Em acordo com os princípios definidos na Lei de Bases do Sistema Educativo e com as necessidades decorrentes
dos novos planos curriculares, o Ministro da Educação definirá por despacho os grupos e respectivas qualificações para a docência
nos ensinos básico e secundário.
2 – Os cursos específicos de formação inicial de professores dos ensinos básico e secundário devem ser organizados
de acordo com as qualificações definidas para a docência nos termos do número anterior e em conformidade com o artigo 31.°
da Lei de Bases do Sistema Educativo.
3 – O regime de transição para os novos quadros de docência constará de disposições regulamentares a publicar
pelo Ministro da Educação.
4 – Embora não podendo os professores em exercício ser afectados nos direitos adquiridos, as novas necessidades
do sistema determinam a sua participação em acções de formação contínua que visem não só o complemento, aprofundamento e actualização
de conhecimentos e de competências profissionais, como também operações de mobilidade e de reconversão profissional.
CAPÍTULO V
Aplicação experimental dos planos curriculares
Artigo 14.° Desenvolvimento da experiência
1 – A aplicação dos planos curriculares referidos no artigo anterior é feita em regime de experiência pedagógica,
cujo processo de desenvolvimento obedecerá aos limites temporais e demais condições organizativas a estabelecer em portaria
do Ministro da Educação.
2 – A experiência referida no número anterior:
a) Iniciar-se-á pelo 1.° ano do 1.° ciclo do ensino básico, no ano lectivo de 1989-1990, e desenvolver-se-á, gradativamente,
pelos anos seguintes, de acordo com programação que procurará compatibilizar as exigências pedagógicas com a disponibilidade
de recursos, no sentido da sua eficácia educativa;
b) Desenvolver-se-á de acordo com uma rede escolar de amostragem, a qual se fundamentará em critérios que traduzam a realidade
escolar existente e abrangerá estabelecimentos do ensino oficial e do ensino particular e cooperativo, no continente e nas
regiões autónomas, mesmo que não dependentes do Ministério da Educação.
3 – Para efeitos de execução e aplicação experimental dos planos curriculares a que se refere o presente diploma,
serão aprovados, por despacho do Ministro da Educação, os respectivos conteúdos programáticos, os quais vigorarão pelo período
em que decorrer a experiência.
4 – Para o acompanhamento da experiência, poderá o Ministro da Educação criar por portaria um conselho de
acompanhamento da reforma curricular, constituído por representantes dos vários parceiros sociais e profissionais com interesse
na qualidade e conteúdo dos currículos.
CAPÍTULO VI
Disposições finais
Artigo 15.° Encargos
Os encargos resultantes da execução do presente diploma serão suportados por verbas inscritas ou a inscrever no orçamento
do Instituto de Inovação Educacional expressamente destinadas ao desenvolvimento da reforma educativa.
Artigo 16.°
O disposto no n.° 5 do artigo 7.° é aplicável à medida que se efective o preceituado no n.° 7 da mesma disposição legal.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 1 de Junho de 1989. – Aníbal António Cavaco Silva – Miguel
José Ribeiro Cadilhe – Roberto Artur da Luz Carneiro.
Promulgado em 5 de Agosto de 1989.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 9 de Agosto de 1989.
Pelo Primeiro-Ministro, Eurico Silva Teixeira de Melo, Vice-Primeiro-Ministro. |